Humanismo
HUMANISMO
PORTUGAL (1418 – 1527)
TRANSIÇÃO DA ERA
MEDIEVAL PARA ERA CLÁSSICA
O
humanismo foi um movimento intelectual, científico, religioso, literário e
artístico iniciado na Itália no século XV com o Renascimento e difundido pela
Europa, rompendo com a forte influência da Igreja e do pensamento religioso da
Idade Medieval. O teocentrismo (Deus como centro de tudo) cede lugar ao antropocentrismo, passando o homem a ser o centro de
interesse.
Especificamente no campo das ciências, o pensamento humanista
resultou em um afastamento dos dogmas e ditames da igreja e proporcionou
grandes progressos em ramos como a física, matemática, engenharia e medicina.
Em Portugal, a Revolução de
Avis (1383/1385), proporcionou a explosão ultramarinha. Os navegantes
portugueses chegavam à África, à Ásia e à América. Essa nova realidade
mercantil provocou uma crise no sistema feudal e no pensamento religioso, que
levou o TEOCENTRISMO – Deus no centro do Universo, a ceder seu
lugar ao ANTROPOCENTRISMO – o ser humano no centro da vida humana.
Com isso, esta nova visão refletiu-se nas obras deste período que tiveram como interesse
principal o próprio ser humano.
Ç FATORES CONTRIBUINTES PARA MUDANÇA:
a A ampliação do mundo conhecido
através das grandes navegações;
a A
ascensão da burguesia voltada p/ o comércio e p/ a vida material;
a A
invenção dos tipos móveis da imprensa, o que facilitou a divulgação das obras
clássicas que até então eram copiadas por monges nos mosteiros.
Ç MANIFESTAÇÕES LITERÁRIAS
SIGNIFICATIVAS:
a Na historiografia8 Fernão Lopes Gomes (considerado o criador da historiografia de
Portugal);
a Na poesia 8João Luiz de Castelo Branco;
a No teatro 8Gil
Vicente;
Para melhor entender GIL VICENTE é preciso
saber o que são AUTOS.
AUTOS 8é o nome
dos textos poéticos da Idade Média usados nas representações teatrais,
carregados de religiosidade. Teremos temas
satíricos e profanos, além dos religiosos. Ele é considera o criador do teatro
popular em Portugal. Sua primeira apresentação foi em 1502, o Auto do
Vaqueiro ou da Visitação, dedicada ao filho recém-nascido do rei D. Manoel
no quarto de D. Maria, esposa do rei. Ela foi um sucesso. Daí vieram outras.
Todo o Mundo e
Ninguém (Auto da Lusitânia)
Um rico mercador, chamado "Todo o
Mundo" e um homem pobre cujo nome é "Ninguém",
encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno
desta conversa, dois demônios (Belzebu e Dinato) tecem comentários
espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à verdade,
à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens.
Representada pela primeira vez em 1532,
como parte de uma peça maior, chamada Auto da Lusitânia (no século XVI,
chama-se auto ao drama ou comédia teatral), a obra é de autoria do criador do
teatro português, Gil Vicente.
Entra
Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa
que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém
e diz:
Ninguém:
|
Que
andas tu aí buscando?
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Notas de tradução
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Todo o Mundo:
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Mil
cousas ando a buscar:
delas não posso achar, porém ando porfiando por quão bom é porfiar. |
Porfiando:
insistindo, teimando.
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Ninguém:
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Como
hás nome, cavaleiro?
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O
verbo haver nestes versos tem o sentido de ter.
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Todo o Mundo:
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Eu
hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro e sempre nisto me fundo. |
E
sempre nisto me fundo: e sempre me baseio neste princípio, nesta ideia.
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Ninguém:
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Eu
hei nome Ninguém,
e busco a consciência. |
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Belzebu:
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Esta
é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem. |
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Dinato:
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Que
escreverei, companheiro?
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Belzebu:
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Que
ninguém busca consciência.
e todo o mundo dinheiro. |
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Ninguém:
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E
agora que buscas lá?
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Todo o Mundo:
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Busco
honra muito grande.
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Ninguém:
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E
eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já. |
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Belzebu:
|
Outra
adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo, que busca honra todo o mundo e ninguém busca virtude. |
Adição:
acrescentamento.
Acude: ocorre. |
Ninguém:
|
Buscas
outro mor bem qu'esse?
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A
palavra mo é uma forma abreviada de maior. Poderíamos dizer, pois:buscas
outro maior bem...
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Todo o Mundo:
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Busco
mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse. |
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Ninguém:
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E
eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse. |
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Belzebu:
|
Escreve
mais.
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Dinato:
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Que
tens sabido?
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Belzebu:
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Que
quer em extremo grado
todo o mundo ser louvado, e ninguém ser repreendido. |
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Ninguém:
|
Buscas
mais, amigo meu?
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Todo o Mundo:
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Busco
a vida a quem ma dê.
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Ma:
me+a. Contração dos pronomes pessoais oblíquos, objeto indireto e direto,
respectivamente.
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Ninguém:
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A
vida não sei que é,
a morte conheço eu. |
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Belzebu:
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Escreve
lá outra sorte.
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Dinato:
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Que
sorte?
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Belzebu:
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Muito
garrida:
Todo o mundo busca a vida e ninguém conhece a morte. |
Garrida:
engraçada.
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Todo o Mundo:
|
E
mais queria o paraíso,
sem mo ninguém estorvar. |
Mo:
Contração me+o. Entenda-se no texto: sem ninguém estorvar isto a mim.
Estorvar: atrapalhar.
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Ninguém:
|
E
eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso. |
Ponho:
entenda-se: proponho.
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Belzebu:
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Escreve
com muito aviso.
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Dinato:
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Que
escreverei?
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Belzebu:
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Escreve
que todo o mundo quer paraíso e ninguém paga o que deve. |
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Todo o Mundo:
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Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo. |
Folgo:
tenho prazer, gosto.
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Ninguém:
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Eu
sempre verdade digo
sem nunca me desviar. |
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Belzebu:
|
Ora
escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso. |
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Dinato:
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Quê?
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Belzebu:
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Que
todo o mundo é mentiroso,
E ninguém diz a verdade. |
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Ninguém:
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Que
mais buscas?
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Todo o Mundo:
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Lisonjear.
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Lisonjear:
elogiar.
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Ninguém:
|
Eu
sou todo desengano.
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Belzebu:
|
Escreve,
ande lá, mano.
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Dinato:
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Que
me mandas assentar?
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Belzebu:
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Põe
aí mui declarado,
não te fique no tinteiro: Todo o mundo é lisonjeiro, e ninguém desenganado. |
mui:
forma reduzida de muito.
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Ótima ilustração da passagem do teocentrismo para o antropocentrismo.
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